quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Análise do conto Gaetaninho

Em linhas gerais, observamos na obra de Alcântara Machado, como traços mais característicos, o uso da pontuação como recurso de reprodução de traços rítmicos e melódicos da linguagem coloquial.  Outra característica fundamental é o uso de expressões italianas para marcar a influência da imigração e da miscigenação racial na constituição da sociedade paulistana.
Em Gaetaninho, conto de abertura de Brás, Bexiga e Barra Funda, há uma divisão do conto em cinco cenas, característica notadamente cinematográfica, dada pelo corte narrativo existente de uma cena para outra, introduzindo uma nova situação, em um tempo e espaço também novos. Essa superposição de cenas compõe o todo como uma colagem, como se o narrador estive com uma câmera fotografando cena por cena.
Um dos recursos utilizados pelo autor para ilustrar a ação do personagem é a linguagem radiofônica. Como se fosse um locutor esportivo, o narrador descreve:

“O Nino veio correndo com a bolinha de meia. Chegou bem perto. Com o tronco arqueado, as pernas dobradas, os braços estendidos, as mãos abertas, Gaetaninho ficou pronto para a defesa.
- Passa pro Beppino!
Beppino deu dois passos e meteu o pé na bola. Com todo o muque. Ela cobriu o guardião sardento e foi parar no meio da rua.
- Vá dar tiro no inferno!
- Cala a boca, palestrino!
- Traga a bola!” 
           
O ambiente da trama é constituído por traços leves, demonstrando uma certa preocupação jornalística, mas que, no entanto, consegue identificar perfeitamente a condição sócio-econômica das personagens, como na passagem:

“Ali na Rua Oriente a ralé quando muito andava de bonde. De automóvel ou carro só mesmo em dia de enterro. De enterro ou de casamento. Por isso mesmo o sonho de Gaetaninho era de realização muito difícil. Um sonho.” 

Ainda neste trecho, notamos um certo valor social presente no desejo de Gaetaninho de andar de automóvel e ser admirado pelas pessoas, valor que talvez fosse associado como representação da elite, do status econômico.

“Gaetaninho saiu correndo. Antes de alcançar a bola um bonde o pegou. Pegou e matou.
No bonde vinha o pai do Gaetaninho.
A gurizada assustada espalhou a noticia na noite.
- Sabe o Gaetaninho?
- Que é que tem?
- Amassou o bonde!
A vizinhança limpou com benzina suas roupas domingueiras.
Às dezesseis horas do dia seguinte saiu um enterro da Rua do Oriente e Gaetaninho não ia na boléia de nenhum dos carros do acompanhamento. Ia no da frente dentro de um caixão fechado com flores pobres por cima. Vestia a roupa marinheira, tinha as ligas, mas não levava a palhetinha.
Quem na boléia de um dos carros do cortejo mirim exibia soberbo terno vermelho que feria a vista da gente era o Beppino”

O final do conto é surpreendente, tanto pela rapidez com que se dá a morte de Gaetaninho, quanto pela ambigüidade causada pela frase “Amassou o bonde”. Tomando-se o sentido do verbo amassar em português e sabendo que em italiano ammazzare significa matar, permite uma dupla interpretação do trecho final, já que não se sabe se foi o garoto que atropelou o bonde ou contrário, o que garante, para um final que parecia ser trágico, um caráter cômico.

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